
Acabei de nascer.
Sou um animal pequenino, predador e o mais dependente entre todos. Aos poucos, irei me tornando uma ‘pessoa’; tarefa do amor e da educação… Difícil é imaginar como o meu mundo exterior vai penetrando no meu ser, assim como quando enfiamos a mão em uma roupa e a puxamos pelo avesso.
Eu já tenho meu avesso; o meu avesso é o sentir.
Ainda bebezinho, eu sou o que escuto, sou o tempo que durmo, o meu horário e a minha rotina. Eu sou o quanto me namoram, me pegam ou me tocam, como falam comigo, enfim, sou o amor que sentem por mim. Sou o que vivo, sou o que como, o que bebo, eu sou as minhas fezes e a minha urina, meus prazeres, por fim. Sou o cheiro de meus pais, a alegria e a preocupação deles; também sou o meu cheirinho de azedo.
Não mastigo, só sinto. Não penso, só sinto. Não falo, nem ando, só sinto. Eu sou o que eu sinto e não existe vida fora disso. Não há espaço para a memória, propriamente dita; são os meus sentimentos que ficarão indeléveis em minha existência, em um local especial, no in… in… inconscie…
Sentir é a nobre experiência dos humanos. A primeira e a última, porquanto se sente a vida e se sente a morte. Contraditório, sinto o prazer e a dor; a delícia e o dissabor; a alegria e a chateação; o enjoo e o apetite; a fome e o fastio.
Aconteceu de eu nascer em uma família de japoneses. Óbvio, fui adotado. Meus pais queriam, porque queriam e porque queriam que viesse um japonesinho, todavia, nasci eu, um brasileirinho, de olhos arregalados, amplos e negros, a habitar naquela família. Ouvi japonês, servi-me de comida japonesa, vestiram-me como tal, falei japonês, pensei em japonês, enfim, senti em japonês…
Um dia, este brasileirinho foi à escola. Ao voltar dela, minha mãe me perguntou o que tinha achado… ao que respondi:
─ Não gostei nada desta escola, só tinha eu de japonês ali…